28 de junho de 2020


Preta, deixa eu te dizer 
pode comemorar, você se formou
ganhou prêmios
realizou seu sonho de arte-educação.

Preta, deixa eu te dizer
aquele grande amor, nem amor era
nessa nova era, outros desamores já vieram
e como todos que conheceu, também se foram.

Preta, você é poeta
sempre foi
seu cabelo cresceu
o inverno vem e volta
cada ano mais escasso.

Preta, deixa eu te dizer
que todo aquele medo da cidade grande se foi
mas o medo da solidão não, nem tudo mudou
estamos em solitude
atitude de se amar em plena solidão.

Preta, as crianças estão enormes
tu já viajou sozinha, conheceu o Rio de Janeiro, São Paulo e Uberlândia
já ficou e já vazou do próprio estupro
eu não te culpo, eu não me culpo
não tinha como imaginar o que íamos viver isso
essa cicatriz não nos define.

Preta, descobrimos o amor
amor pelas nossas opiniões
pelas nossas posições e nosso desejos
hoje desejamos uma mulher linda
é não era brincadeira nada daquilo, você gostava sim de mulher
eu gosto de mulher, gostamos de uma cabocla, linda, preta, mulher.

Preta, deixa eu te dizer
passamos por poucas e boas
abusos, choros e muitas alegrias
e aqui estamos
vivas, negras, inseguras e radiantes
sedentas por vida.


19 de junho de 2020

Aspirante a dotora

Parece engraçado né não?!
Mas tô tentando manter meus pés no chão 
para poder voar 
sem perder minhas raízes 
Djamila, Nilma Gomes, Paulo Freire 
Tô lendo tudo sem freio 
quero o topo     não isolada 
vou ser petricia junto das aliadas

Entender o que é universidade 
falar com intelectual 
levar pra UFRGS minha ancestralidade
conquista nada banal.

São anos de estudo 
Esse PPG quero deixar escuro 
levar minhas ideias 
questionar falsas certezas 
um estudo sem frieza 
ser quente 
como água no fogão     na hora certa ferve
                                escrevo de forma leve 
Digo e repito 
Nilma lino Gomes
em você me inspiro    quem sabe virar uma Petronilha 
mudar o Brasil com educação antirracista
educar e libertar     libertar e se amar
logo vou tá lá
defendendo a dissertação
muitos falarão     foi fácil !
mas não trilham o meu caminho
Falar de mim é tranquilo
quero ver faze o que eu fiz  
sem perder o equilíbrio 

Ser da rua ser acadêmica 
ser sua    
sem nunca deixar de ser minha. 
Nessas linhas deixo lágrimas
que trancadas na goela
fizeram de mim
refém da sombra

É tiro     é grito
corre e fica vivo
    não chora
    não grita
    não explode
te dão sacode

Balançada as estruturas
frio no estômago
ao ver a viatura
            ditaduras
            ditam o fim da vida
no fim da rua
chão     trocação
menor de fuzil na mão

Sangue  e não é de menstruação
sem câmeras
a ação é pra valer
não existe fingir de atirar
ou fingir de morrer

Umbral exposto a lua    eclipse de sangue
pessoas doentes
mentes precisando ser salvas
e não será com palmas  ou likes

Fico enjoada
a ânsia que sinto
misto de dor   medo e revolta
não minto!
essa impotência dilacera,    gela
mas não me devora.

8 de junho de 2020

Noventa

Hoje completo 90 dias de isolamento
90 dias sem o abraço dos meus amigos
90 dias sem beijar minhas sobrinhas 
90 dias sem unir as mãos e gritar
Ieeee camaradinha 
 
Sinto o tempo passar entre os dedos
entre máscaras e álcool gel.
Sinto vidas se esvaindo entre os dedos 

são jovens negros
com medo da morte
da fome
do vírus 
e do fronte.

Minha mente não sabe pra onde ir 
por mais que eu queria o presente 
sentir o presente, vive-lo
da forma mais ancestral
com direito a meditação
banhos de erva e boa alimentação 
são os boletos, o aluguel e essa pressão
que assolam minha mente 
confinada em 30 metros de paredes.
 
Os dias passando, as folhas caindo 
março, abril...
saudades batendo, o peito se abrindo 
junho, julho.... 
boletos chegando e o emprego se indo 
agosto, setembro.... 

Tento lembrar o cheiro da rua 
o vento na cara enquanto ando de bike 
e nada disso eu lembro
mas falta pouco pra setembro 

90 dias e esse misto 
pressão sobre nossos corpos 
dores esvaziadas em copos
me controlo
não posso ser mais um corpo negro alcoólico 
eu oro
eu choro 
mas não paro

90 dias e um poema de amparo